Se eu contar quantas vezes eu apareci naquele filme*, talvez daria um total de 5 minutos. Cinco minutos em que minha existência não faz nenhum sentido, não agrega nada a sua- ou nossa - estória.
Cena um: você, o policial marrento e fodão - o tipo que toda cara desejou ser um dia - chega em casa depois de uma noite de lutas, álcool e surras em testemunhas ou suspeitos. Acho que para você isso não faz diferença. Ao ouvir a sua presença caótica, desço a escada em fúria. Como a típica esposa louca do cinema, meu primeiro grande ato é discutir com você que exibe sinais claros do cansaço da noite anterior. Eu recebi, por engano, a mensagem que você gostaria de ter mandado para alguma outra garota. Como a típica esposa louca do cinema, decido nesse instante que quero divórcio e parto com minhas filhas.
Em meio a tantas decisões que parecem precipitadas, ninguém se importa em dizer a quanto tempo eu aguento as suas merdas, os seus chifres, a sua falta no que deveria ser um lar feliz. Assim como, ninguém se importa em deixar nenhuma pista sobre o que eu faço da minha vida, já que a grande estrela é você. Posso ser dona de casa, caixa de supermercado, cabeleireira. Para eles, isso não faz diferença. Eles só precisam tentar te deixar humano de una forma bem preguiçosa.
Cena dois: depois de um dia muito cansativo atrás dos bandidos - nossa, como sua vida é difícil - você dirige até uma casa chique. Você entra lá revestido com a sua macheza tosca de macho alfa. Eu estou rindo de alguma conversa trivial com um casal de amigos e um outro homem (bem vestido e arrumado). Seu ego não pode aguentar não ser o centro das atenções. Quanto mais constrangimento sua presença puder causar, melhor. Você assina os papeis do nosso divórcio em meio a um show que inclui sugerir que o outro homem pode ser pedofilo. Como a típica ex esposa megera do cinema, já estou implicitamente me jogando nos braços de outro homem (talvez porque ele tem mais dinheiro que você?), sem nem respeitar a sua grande dor e fazer a guarda perpétua das minhas filhas.
Eu gostaria de entender melhor o que eu fazia nessa cena, antes da sua chegada pavonesca. Será que eles eram meus amigos, antes de você aparecer? O padrão de vida deles com certeza não bate com o nosso. Será que sou mais uma dessas moças bem nascidas que largou tudo por amor à um bad boy? Percebo, sem ajuda de nenhum roteirista, que longe da sua presença tóxica eu ainda sei sorrir, conversar, relaxar. Há uma vida para mim fora da sua órbita.
Nos próximos quarenta ou cinquenta minutos tudo que há é uma escalada de testosterona e da sua necessidade de se reafirmar como o cara mais foda em um raio de mil quilômetros. Se eu nunca tivesse aparecido, nada seria diferente. Até quando seremos apenas molas para o homem protagonista? Até quando seremos figuras planas repetidas? Até quando seremos peças completamente descartáveis de um roteiro?
*Covil de Ladrões (2018) com Gerard Butler, Pablo Schreiber, 50 Cent
Cena um: você, o policial marrento e fodão - o tipo que toda cara desejou ser um dia - chega em casa depois de uma noite de lutas, álcool e surras em testemunhas ou suspeitos. Acho que para você isso não faz diferença. Ao ouvir a sua presença caótica, desço a escada em fúria. Como a típica esposa louca do cinema, meu primeiro grande ato é discutir com você que exibe sinais claros do cansaço da noite anterior. Eu recebi, por engano, a mensagem que você gostaria de ter mandado para alguma outra garota. Como a típica esposa louca do cinema, decido nesse instante que quero divórcio e parto com minhas filhas.
Em meio a tantas decisões que parecem precipitadas, ninguém se importa em dizer a quanto tempo eu aguento as suas merdas, os seus chifres, a sua falta no que deveria ser um lar feliz. Assim como, ninguém se importa em deixar nenhuma pista sobre o que eu faço da minha vida, já que a grande estrela é você. Posso ser dona de casa, caixa de supermercado, cabeleireira. Para eles, isso não faz diferença. Eles só precisam tentar te deixar humano de una forma bem preguiçosa.
Cena dois: depois de um dia muito cansativo atrás dos bandidos - nossa, como sua vida é difícil - você dirige até uma casa chique. Você entra lá revestido com a sua macheza tosca de macho alfa. Eu estou rindo de alguma conversa trivial com um casal de amigos e um outro homem (bem vestido e arrumado). Seu ego não pode aguentar não ser o centro das atenções. Quanto mais constrangimento sua presença puder causar, melhor. Você assina os papeis do nosso divórcio em meio a um show que inclui sugerir que o outro homem pode ser pedofilo. Como a típica ex esposa megera do cinema, já estou implicitamente me jogando nos braços de outro homem (talvez porque ele tem mais dinheiro que você?), sem nem respeitar a sua grande dor e fazer a guarda perpétua das minhas filhas.
Eu gostaria de entender melhor o que eu fazia nessa cena, antes da sua chegada pavonesca. Será que eles eram meus amigos, antes de você aparecer? O padrão de vida deles com certeza não bate com o nosso. Será que sou mais uma dessas moças bem nascidas que largou tudo por amor à um bad boy? Percebo, sem ajuda de nenhum roteirista, que longe da sua presença tóxica eu ainda sei sorrir, conversar, relaxar. Há uma vida para mim fora da sua órbita.
Nos próximos quarenta ou cinquenta minutos tudo que há é uma escalada de testosterona e da sua necessidade de se reafirmar como o cara mais foda em um raio de mil quilômetros. Se eu nunca tivesse aparecido, nada seria diferente. Até quando seremos apenas molas para o homem protagonista? Até quando seremos figuras planas repetidas? Até quando seremos peças completamente descartáveis de um roteiro?
*Covil de Ladrões (2018) com Gerard Butler, Pablo Schreiber, 50 Cent
Comentários
Postar um comentário